UX WRITING & CHATBOTS

Do Seu Jeito

Rachel Gonçalves
8 min readFeb 25, 2021

Aplicação de UX Writing a chatbots para aumentar acessibilidade em ponto de contato da marca com o consumidor.

Em minha trajetória como Designer, não é raro me deparar com briefings que não respondem as perguntas que precisamos antes de iniciar um projeto. Alguns deles mesmo já apontam uma solução de logo de cara com base numa solicitação direta do usuário ou da ideia de seguir alguma tendência do momento. Isso acontece muitas vezes por um desejo de inovar, mas sem a definição de um problema claro. Certo dia me deparei o seguinte briefing (adaptado):

O futuro chegou, e temos a tecnologia de assistente virtual baseado em voz. Com essa tecnologia em mãos, surgem dúvidas como:

• O que podemos desenvolver de valor ao cliente com essa tecnologia?
• Em quais produtos devemos usá-la? (App, totem, site, delivery próprio, atendente do balcão…)
• Como será o UI?
• Etc…

O cenário é duro. O diretor está cobrando uma proposta rápida para uso da tecnologia, dado o avanço agressivo da concorrência. Solucione o desafio — entrega mínima de 3 telas. Prepare uma apresentação para mostrar o resultado. Lembre-se, três telas para avaliação de UI são obrigatórias.

Existe o desejo de utilizar uma tecnologia específica, mas os objetivos não são explícitos. É necessária uma análise sobre o posicionamento da marca, contexto da atualidade e aplicações da tecnologia nesse cenário para que se possa extrair um problema claro a ser resolvido

A marca

O Burger King, rede americana de restaurantes especializada em fast-food, nasceu em 1954 em Miami, Florida, como uma dissidência de franqueados do Insta-Burger King (Jacksonville, Florida). Desde então, o menu variou bastante, mas sempre baseado na oferta básica de hambúrgueres, batatas fritas, refrigerantes e sorvetes.

As estratégias de comunicação da marca, de acordo com um relatório recente da própria empresa, baseiam-se em:

  1. Gerar tráfego e experimentação de novos produtos;
  2. Reforçar os atributos funcionais dos produtos;
  3. Aumentar o envolvimento emocional com a marca através de territórios únicos.

Em entrevista para a Record News em 2018, Ariel Grunkraut fala da chegada da BK no Brasil em 2004 através de um franqueado e expansão, apostando no processo único de produção de hambúrguer no país até então, em grelha de churrasco. Também, do tom bem humorado e irreverente presente no DNA da marca, fazendo brincadeiras não somente com concorrentes, mas com eles mesmos também.

Atualmente, o BK utiliza o aplicativo como principal canal de experiência com o cliente, onde oferece conveniência (informações sobre lojas), menu, cupons, mobile order & pay e coleta de dados sobre experiência do cliente. Além disso, conta com programa de fidelidade e totem de auto atendimento em lojas físicas — num esforço conjunto com o objetivo de melhorar a experiência do cliente, aumentar frequência e engajamento e fornecer uma base de dados com insights para a melhoria da experiência do usuário.

A partir do posicionamento proposto pelo slogan “Do seu Jeito” utilizado no Brasil, assumo que a maior oportunidade aqui seja o posicionamento criativo da marca, sempre ligada a temas atuais, como a diversidade nas campanhas, com pessoas reais.

Voice User Interfaces (VUIs)

Pedir comida através de um assistente de voz não é novidade. A Alexa em 2018 já estava sendo cotada pelo app Delivery Hero para mediar acompanhamento de status, fazer pedidos e até refazê-los baseados no histórico armazenado no app. Trazendo uma tecnologia parecida para a mão do consumidor, temos as assistentes de voz nativas de aparelhos celulares Siri e Google Assistant que tem potencial para realizar um trabalho parecido.

https://www.deliveryhero.com/blog-smart-speaker-please-order-favourite-burger-delivery-hero-building-future-voice-ordering/

A plataforma Dialogflow do Google já oferece soluções de atendimento via texto-texto, diálogo para texto e texto para áudio em 30 idiomas, incluindo Português Brasileiro. É possível configurar um banco de dados de perguntas e treinar o sistema para reconhecer palavras e expressões mais comuns, de modo a dar mais naturalidade à interação humano-máquina.

Cenário

O atual cenário de pandemia da COVID-19 trouxe novos cenários e padrões de consumo e acelerou tendências de mercado. De acordo com o Sebrae, transformações na indústria de prestação de serviços como consultas médicas, educação, bem estar e lazer já vinham acontecendo, mas com o isolamento social, elas acabaram sendo aceleradas; muitas delas permanecerão mesmo quando tudo isso passar. O uso de canais digitais se mostrou eficiente e as pessoas se adaptaram bem a essa nova realidade.

As incertezas em relação ao futuro geraram um novo padrão de consumo, mais consciente e responsável. A atenção devotada pelas marcas em atender as necessidades dos clientes aumentou quando estes não puderam se locomover às suas lojas físicas. Não somente o consumidor padrão, mas também pessoas portadoras de necessidades especiais, sejam elas físicas ou privação de algum sentido como audição ou visão.

Persona

Para trabalhar numa solução que se beneficie na tecnologia de assistente virtual baseada em voz, elaborei a Mariana, baseada em pesquisas no Youtube, em por vídeos, documentários e relatos do dia a dia de pessoas com deficiência visual, a respeito de suas principais dificuldades cotidianas.

Foi mostrado que, ao contrário do que se possa imaginar, pessoas com deficiência realizam atividades cotidianas utilizando adaptações quase invisíveis aos nossos olhos no dia a dia. Pequenos relevos em teclados de computador e maquininhas de cartão de crédito são exemplos de adaptações invisíveis que permitem que todos utilizem esses artefatos.

Esses tipo de adaptações são os mais apreciados, pois não deixam pessoas a margem de um produto especial criado somente para elas. O maior desejo de uma pessoa com deficiência visual é poder realizar suas tarefas como qualquer outra pessoa, e não necessariamente serem auxiliadas em tudo. Aqui o desejo é independência.

Mariana, 35 anos, jornalista (portadora de deficiência visual)
— Trabalha de casa durante a semana;
— Nos finais de semana gosta de sair para comer fora;
— Apesar de suas limitações, gosta de resolver suas tarefas do dia a dia de maneira independente.

Se frustra quando seus amigos podem utilizar o totem físico de forma prática e rápida, enquanto ela precisa da ajuda de um atendente.

Interface Gráfica do Totem

Com base nas necessidades de Mariana, de permitir que ela utilize um formato já existente de solução, mas com uma adaptação discreta, foi criada a seguinte solução:

No totem já existente, haverá a adição de um botão à atual interface da tela inicial:

À esquerda temos a reconstrução de uma tela atual de um totem encontrado no shopping Riomar (Recife)no dia 09/02. À direita, uma adaptação com o novo botão.

O ícone de orelha foi escolhido por ser comum em sinalização de acessibilidade, logo depois do ícone do cadeirante. A orelha, no entanto, além de ser mais dinâmica e representar melhor a dinamicidade da marca do BK, é uma pista visual para pessoas não portadoras de deficiência visual que queiram utilizar a funcionalidade.

O onboarding do usuário intendido se dá por conta da informação dos próprios funcionários da loja. Mesmo que eles precisem ir ao caixa para falar com um funcionário e descobrir a existência da assistente de voz, tal ação só ocorrerá uma vez, e a partir disso, caberá ao usuário utilizar o totem ou ser atendido por um funcionário.

Interface proposta para tela inicial do Totem e tela da Assistente de voz ativa.

O botão DO MEU JEITO só é ativado com o comando de voz homônimo. Disso, ele abre a tela de assistente de voz, onde o logo do BK pulsa de acordo com o que a máquina falar (como acontece com a Siri), e as ondas de som de acordo com o que o cliente pedir. O pagamento, que já ocorre por meio de maquininha de cartão de crédito, ocorre da mesma forma, mas com instruções por voz do próprio totem.

UX Writing

A interface de destaque nessa solução não é a gráfica, mas um chatbot que irá administrar os pedidos feitos por voz. A estratégia de conteúdo utilizada aqui será o UX Writing, que é uma técnica de escrita voltada à experiência do usuário para comunicar ideias de forma clara e objetiva, de forma a orientar o usuário e otimizar sua experiência.

Em lojas físicas, o diálogo do cliente com o atendente é feito de forma ativa. O atendente não fala mais que o necessário, sua função principal é anotar pedidos, oferecer upgrades para combos (em caso de pedidos simples) e orientar o pagamento. Quando necessário, oferecem orientações sobre o menu. A interface do chatbot no totem deve emular a mesma experiência, com um tom conversacional e ao mesmo tempo direto e sucinto. Essa etapa pode ser descrita a partir do seguinte quadro:

A interface gráfica do totem é bem ilustrativa e detalha vários ítens do menu, mas para a interface de voz, deve ser preferido um tom mais direto, assim como faria um atendente humano. A ideia afinal é otimizar processos, não encher o usuário de opções e acabar por confundi-lo. Esse tom de voz é definido pelo seguinte canvas:

Menu da rede atualizado conforme site em 24/02/2021. As expressões-chave tratam-se de comandos simples e de acordo com o Estilo e Tom de Voz da marca. Estas serão implementados no chatbot que, quando combinado com os itens do menu, darão origem ao fluxo de interação com o usuário.
Flowchart do processo de pedido no totem. O script do chatbot é direto, com um tom casual. O input do usuário é limitado aos itens do menu (imagem anterior), e não permite conversas abertas. Caso a máquina tenha problema em entender o usuário mais de uma vez, solicitará que o mesmo dirija-se ao caixa com pessoa atendente.

Próximos Passos

Esse MVP funcionaria para o cliente fazer pedidos diretos, ideal para pessoas que já conhecem a loja e sabem o que vão comer. Também não permitiria substituições, e este seria o próximo passo, já que trata-se de uma característica presente no DNA da marca, desde o início em 1954.

Para as etapas seguintes, um aprofundamento no fluxo envolveria opções mais abertas de diálogos, como explicação sobre itens de menu e tamanhos. Numa fase mais avançada, o comando de voz no totem poderia ser usado de maneira irreverente tal como os motes publicitários da marca.

Conclusão

Apesar da ênfase no briefing que três telas gráficas seriam necessárias, a pesquisa mostrou que elas não são necessárias. Isso mostra que definir um formato específico de entrega no início do projeto não é necessário e pode até prejudicar o resultado, ao forçar funcionalidades desnecessárias que podem encarecer o projeto e até mesmo atrasar a entrega do que de fato remedie o problema encontrado.

Contudo, é sempre importante expor preocupações e argumentos ao autor do briefing, para que possa haver um alinhamento de expectativas quanto ao resultado final. Afinal, a tarefa do UX Designer é facilitar processos, e não atravancá-los.

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Rachel Gonçalves

I facilitate processes, unriddle briefings and talk to a bunch of people — one sprint at time.